A URBANIZAÇÃO DO AMOR
Edson Prado
PREFÁCIO
UM CORAÇÃO BOÊMIO
Esta vida é um punhal de dois gumes fatais:
não amar é sofrer; amar é sofrer mais.
Menotti del Picchia
Desde Safo e Íbico, Eros vem sendo invocado e exaltado pelos poetas sem cessar. Edson Prado mantém a longa tradição viva, eis que o amor permeia toda a primeira parte de sua obra. O autor se lança sofregamente à fruição de seus sentimentos, e chega mesmo a se consumir em labaredas, padecendo lentamente em brasas1.
“A urbanização do amor” coloca em foco um eu-lírico visceral, pronto a se lançar ao sol, feito Ícaro reencarnado. O poeta parece querer se queimar por amor ao belo2 , mesmo sabendo da inafastável efemeridade do sentimento. É essa entrega que evidencia sua plena aceitação da própria natureza humana. Edson parece estar disposto a acolher a transitoriedade das coisas, estoicamente resoluto.
A leitura do livro me trouxe à mente um detalhe da “Primavera”, do pintor renascentista Sandro Botticelli.
Trata-se de um rechonchudo cupido vendado, que indistintamente lança suas flechas em direção aos homens. O poeta parece disposto a se deixar atingir por cada uma dessas setas, absolutamente entregue ao devir.
Como todo bom adepto do amor, o poeta sofre. Nesses momentos, recorre a livros, ao jazz e, principalmente, a boas doses de álcool para digerir sua tão angustiante realidade. Diferentemente de Álvares de Azevedo, que declarou sua fidelidade ao conhaque, Edson não se atém a uma bebida só. Uísque, cerveja, vinho, enfim, uma passarela etílica inteira desfila por seus versos. Especial atenção é dispensada aos vinhos - verdade seja dita - que são citados em diversos momentos, como é o caso em: a cada gole queimo de paixão3. O poeta parece ansiar por um tamponamento de seus vazios, por um estado de entorpecida consciência em que possa negar sua própria fragilidade ocupada por noites solitárias e frias4.
Não por acaso Charles Bukowski é referenciado nessa obra. O escritor alemão foi um notório boêmio, além de uma personalidade niilista, desencantada com a vida. Há muitos ecos dele na “Urbanização do amor”. Edson parece sentir, ainda, um esvaziamento de sentido brutal, típico da pós-modernidade líquida. Ora, num mundo em que impera a lógica do capital, no qual somos apenas pó de estrela e força de trabalho (isto é, se a inteligência artificial permitir), é deveras forçoso admitir que as pessoas parecem terem se tornado prescindíveis. Como bem formularam Adorno e Horkheimer, o animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisificou almas.
Diante da crueza da existência e de sua cáustica fluidez, o poeta recorre à maldição da escrita. As palavras são seu veneno, mas também seu único remédio. Ele se rende ao trabalho mais sincero que pode exercer: E isso é suficiente para fazer / Com que a mão trema ao escrever5. Edson Prado padece do problema da lucidez, do pensar demais. Recorre aos versos para expurgar suas abundantes feridas existenciais, para espantar seus demônios. Como quis Manuel Bandeira, não deixa de ser a existência uma aventura de tal modo inconsequente6.
Eis aqui uma estreia muito promissora. Os próximos passos do poeta merecem ser observados de perto. Enquanto houverem perguntas sem respostas e Edson Prado se inquietar justamente em razão disso, estaremos bem servidos.
Ana Luz
1 - Versos do poema Combustão, desta obra.
2 - Versos do poema A queixa de um Ícaro, de Charles Baudelaire.
3 - Versos do poema Vinho seco, desta obra.
4 - Versos do poema Sobre o chão, desta obra.
5 - Versos do poema Poesia sincera, desta obra.
6 - Versos do poema Vou-me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira.
Especificações técnicas
Poesias
116 páginas
14x21cm
Capa laminação fosca
Miolo papel polen 80g
ISBN 978-65-01-06850-3
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